segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Refletindo...

Refletindo: O conceito "erro" diante das variações lingüísticas e a norma-padrão

Venho/viemos de uma formação onde sempre foi pregado: a norma-padrão é a que permite ascensão, todo o resto é erro, é falar e escrever mal, ou seja, ou se sabe as regras gramaticais ou se tem a sorte grande. Hoje procuro em minha prática não repassar esses (pré)conceitos, pois os vejo como grandes preconceitos. Acredito que o ensino da língua deva fundamentar-se na formação do cidadão, que devemos promover condições para que nossos alunos desenvolvam habilidades de leitura e escrita, utilizando-as em suas práticas sociais, trabalhando com gêneros textuais variados, colocando-os, assim, em contato com as diversas estruturas características da língua e, fatalmente a compreensão da gramática, "da norma-padrão", virá de forma contextualizada, livre do estigma do decorar, mas sim do compreender e, mais, do respeito as variantes lingüísticas, do respeito ao outro. Esta caminhada não deixa de ser conflitante: minha formação e "ainda" cobranças do sistema X minha crença e vontade de mudar.
Tomei como interlocutores Miriam Lemle em seu livro Guia teórico do alfabetizador (1990):
"Na escola depois de aprender e representar por escrito o seu falar nativo,
você aprende o vocabulário, a sintaxe e a ortografia convencionais do
português; tal aprendizagem deve ser-lhe dada como uma porta que se abre
para o vasto mundo do saber e do trabalho , e não como uma pedra tumular
a atirar sobre o seu falar de casa."

Marcos Bagno em seu livro A norma oculta: Língua e poder na sociedade brasileira (2003),
"Não adianta entupir a cabeça das pessoas com regras, exceções,
nomenclaturas e definições. Só se aprende a ler e escrever, lendo e
escrevendo. A idéia de que a boa leitura e a produção de textos dependem
do conhecimento pormenorizado da gramática é uma falácia que precisa
ser combatida."


E as reflexões continuam: como lidar, então, com o "erro" diante das variações lingüísticas e a norma-padrão da língua Materna estabelecida na prática diária de trabalho ?! E o resultado foram e ainda são as mais diversas respostas seguidas de diversos conflitos e chegando a outras mais respostas.
Como venho de uma família originalmente de vivência rural e, embora, infelizmente, não tenha vivenciado esta experiência, trouxe e trago muitas influências da vida rural e como não podia deixar de ser, também na fala, estando aí uma das razões pelas quais esta pergunta me acompanha desde muito cedo na vida. Vivi e compreendi (pré)conceitos explícitos em forma de piadas, exclusões... mas , o que, felizmente tornou-se combustível para tentar romper essa fronteira do "erro" na vida e no trabalho,dentro das variantes lingüísticas e porque não dizer riquezas da língua ?!
Atendo-me à face profissional procuro caminhar então, principalmente nos últimos anos, não mostrando variações lingüísticas como "erro" mas, procurando conscientizar os alunos sobre as variantes existentes e sobre a existência das convenções da norma-padrão, de maneira que não lhes iniba as tentativas, não lhes repasse preconceitos e sim lhe forneça condições de construir outros conhecimentos sem furtar-lhe suas origens.
Caminho já há alguns anos com uma frase que já se transformou em um jargão em minha prática junto a meus alunos : "os homens que entendem muito da língua Portuguesa , dizem que tem uma forma de dizer determinada palavra, expressão... usada muito nos livros e que nós viemos na escola para também conhecê-las..." e quando inicio esta frase , logo muitos demonstram compreender que novidades estão surgindo, então procuro estimular, dar elementos, condições... para que compreendam os novos conhecimentos, aceitem os seus já existentes e o dos outros como diferenças e como acréscimos . Para isso procuro envolvê-los num mundo de diversidade de leitura e escrita onde a construção de conhecimentos dentro das variantes lingüísticas e da norma-padrão sejam propiciadas. Estas são algumas ilustrações de minhas tentativas. Sei que a caminhada é longa; com acertos, erros, reflexões e muitas barreiras no caminho, mas sigo, pois acredito que uma das funções da escola é ser mediadora na compreensão das diversas variantes da língua colaborando para a não perpetuação de preconceitos e sim a perpetuação do orgulho da cada um por sua identidade cultural, o respeito pelo outro. Sei que essas questões demandam grandes mudanças , pois, como dito anteriormente, muitos de nós temos cristalizados conceitos e preconceitos, afinal viemos de uma educação onde a padronização da língua foi fortemente trabalhada como sendo ela e somente ela a forma correta. O que não impede mudanças! Não estou, repito, negando a gramática, mas um novo olhar para o como esta deva ser trabalhada faz-se necessário.
Desejo, então, já tendo certeza de muitos desejos realizados e outros a caminho, após leitura de módulos apresentados neste curso, relatos de colegas e bibliografia sugerida, que construamos sempre mais conhecimentos, vençamos barreiras e carreguemos "capangas" e sacolas, "vixes", "atajés" e armários, "avexado" e preocupado ... em nossas vidas e na de nossos alunos.

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